segunda-feira, novembro 27, 2006

Também se aprende a ser pai.

Em Santa Maria da Feira surgiu, há três anos, o "Pais XXI", um projecto que ajuda os pais a não terem medo de admitir fragilidades. Começou por ser um projecto integrado de prevenção na área da toxicodependência e evoluiu para o "Pais XXI", um espaço onde cabem todas as angústias da educação parental, sem receio de expor fragilidades. Sim, porque afinal os pais também têm medo.

Há três anos surgiu o Projecto Pais XXI, uma vertente do Plano Municipal de Prevenção Primária das Toxicodependências de Santa Maria da Feira. Acolhido e impulsionado pela Federação das Associações de Pais e Encarregados de Educação do Concelho de Santa Maria da Feira, o "Pais XXI" ganhou asas, autonomizou-se e, agora, quer levar a semente a outros grupos.
Quando o projecto nasceu, cresceu com ele, além de uma Linha de Apoio Telefónico e de um programa de rádio, um Clube de Pais. Hugo Cruz, psicólogo e coordenador do "Pais XXI", que conta com o apoio da Câmara da Feira e da Faculdade de Psicologia da Universidade do Porto, "a ideia de base era procurar um novo formato de educação parental".

Hugo Cruz confessa-se avesso a toda a sorte de manuais, do género "como ser um bom pai". Por isso, não pretendeu fazer das sessões quinzenais do clube uma escola, com mera exposição de conceitos e fórmulas de sucesso. "Nós temos por hábito preparar sempre as sessões mas se, nesse dia, na fase do acolhimento, surge uma outra questão, pomos de lado a temática", explica o psicólogo. Assim, sempre que a necessidade impunha as suas regras, o plano dos encontros foi sendo substituído por preocupações tão urgentes como o chichi na cama, o medo do escuro ou as negativas na escola.

Inicialmente, o Clube de Pais formou-se com quatro grupos (de 15 a 18 pessoas), estando previstas 80 horas de formação. Mas, com o tempo, um dos grupos acabou por dar continuidade ao projecto, reunindo-se desde há três anos para cá. Estes pais estão agora a organizar-se para ir formando outros clubes deste tipo, com sessões orientadas por eles próprios. "Este grupo teve necessidade de passar a mensagem, no sentido de dizer: ‘Organizem-se!'", explica Hugo Cruz.

O que começou por ser um espaço de partilha sobre a educação parental foi-se transformando, simultaneamente, num lugar para discutir a relação a dois. É que, sem que estes se dessem conta, o Clube de Pais acabava por ser o único local onde todos se juntavam sem a pressão da criançada por perto. Como afirma o psicólogo, "muitas vezes os pais ficam centrados na sua função parental e deixam para segundo plano outras coisas". A saber: deixam de jantar os dois juntos, deixam de namorar, sentem peso na consciência se abandonam os filhos em casa de familiares durante um serão para ir ao cinema, e por aí adiante... O contexto social, que determina que somos maus pais se não estamos permanentemente a cuidar dos rebentos, é o principal responsável por este estado de coisas. Só que, como argumenta Hugo Cruz, "se os pais se anulam isso é mau para a família".

Com a conversa em comum, os pais foram descobrindo que todos sentem medo de falhar e que, basicamente, não há mal nenhum em admitir inseguranças. Ao mesmo tempo, independentemente do tema específico de cada sessão, aprenderam a falar sobre a comunicação na família. Será preciso não esquecer que, apesar da imagem hierarquizada e composta com que todos nos fomos habituando a perspectivar a família, esta é, na realidade, a soma de várias personalidades complexas a habitar o mesmo espaço, num projecto de vida a tempo inteiro. Por isso, a comunicação é, inegavelmente, o centro para onde convergem todas as questões. E aqui, o mais importante é valorizar a qualidade. Como afirma Hugo Cruz, "muitas vezes, as famílias estão juntas fisicamente, mas não estão a partilhar nada". Com os encontros, os pais aprenderam a identificar estas lacunas, que, na maioria das vezes, podem ser colmatadas com pequenas insignificâncias. Por exemplo: não fazer da televisão o prato principal das refeições e não atirar com um "agora não!" automático, sempre que o filho interrompe as lides domésticas.

Foi, justamente, tomando como inspiração os ruídos surdos do quotidianos, que surgiu a peça "Retratos de família". A encenação resulta de uma criação colectiva que, para espanto dos filhos, tem os pais como principais actores. Por uma vez, os papéis inverteram-se. Foram os filhos, e não os pais, que se sentaram nos bancos da plateia. Hugo Cruz recorda a "emoção das crianças, que olharam com espanto para o lado divertido dos pais". A peça fez sucesso e está agora em tournée nacional, em sessões teatrais que juntam as famílias, durante fins-de-semana previamente marcados, em palcos um pouco por todo o País.

Desta troca de experiências, em três anos de trabalho, resultou, ainda, o livro Pais XXI, uma experiência, da autoria de Hugo Cruz e Inês Pinho, que foi recentemente lançado e conta com um prefácio de Daniel Sampaio. Entretanto, estão previstas, já para Dezembro, novas sessões, que irão permitir alargar o Clube de Pais a um número mais abrangente de pessoas.

Mais informações:
http://www.fapfeira.web.pt/

Notícia retirada do site da Educare